Isso é o que se lê, logo de início, na
Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia (SC. n. 1), que foi o primeiro dos documentos do Concílio Vaticano II, aprovado pelo beato Paulo VI em 4 de dezembro de 1963.
Da Liturgia, como que de um rio de água viva [
Ap 22, 1] corre para nós e sobre nós a graça, por meio da qual, conseguimos a santificação em Cristo e a glorificação de Deus.
Para que isso aconteça é necessária a sinergia (do grego:
syn - junto +
ergon - trabalho), ou a ação conjunta. "Este termo clássico entre os Padres, procura traduzir a novidade da união de Deus e do homem em Cristo, ou melhor, da energia do Espírito Santo que penetra interiormente a energia do homem e o identifica com Cristo. Todo o realismo da liturgia e da divinização está nesta sinergia" (
Jean Corbon,
A Fonte da Liturgia, Lisboa, Paulinas, p. 11), de modo que, acercando-se da Sagrada Liturgia com disposições de reta intenção,
unam a sua mente às palavras que pronunciam, cooperem com a graça de Deus, não aconteça de a receberem em vão (28) [SC, n. 11]
Entretanto, para se chegar eficazmente a tudo isso, é
conditio sine qua non (condição sem qual não) a participação plena, consciente e ativa. Por isso que
Na reforma e incremento da sagrada Liturgia, deve dar-se a maior atenção a esta plena e ativa participação de todo o povo porque ela é a primeira e necessária fonte onde os fiéis hão de beber o espírito genuinamente cristão. Esta é a razão que deve levar os pastores de almas a procurarem-na com o máximo empenho, através da devida educação. [SC, n. 14]
Em tantas mais passagens da referida
Sacrosanctum Concilium (SC) fala-se dessa virtuosa participação, necessária para render os frutos da santificação e da glorificação.
Considerada como o exercício da função sacerdotal de Cristo [SC, n. 7], a Liturgia é ação essencialmente sagrada (SC, n. 7) e
contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na ação e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos (2). A Liturgia, ao mesmo tempo que edifica os que estão na Igreja em templo santo no Senhor, em morada de Deus no Espírito (3), até à medida da idade da plenitude de Cristo (4), robustece de modo admirável as suas energias para pregar Cristo e mostra a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações (5), para reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos (6), até que haja um só rebanho e um só pastor (7). [SC, n. 2]
A
Sacrosanctum Concilium declara que a finalidade do Concílio, em propondo o fomento da vida cristã entre os fiéis, a adaptação do que é suscetível de mudança às necessidades deste tempo, a promoção do que possa contribuir para união dos que creem no Cristo e o fortalecimento do que possa ajudar ao chamamento de todos ao seio da Igreja, deságua, como já visto, na reforma e incremento da Liturgia (SC, n. 1).
Daí se vê a importância substancial da Liturgia. Liturgia esta que se crê (mistério acreditado), que se celebra (mistério celebrado) e que se vive (mistério vivido).
Em sua Introdução (Proêmio), a
Sacrosanctum Concilium sintetiza aspectos da reforma e incremento litúrgico, entre outros, o caráter sagrado da Liturgia, a santificação em Cristo, a glorificação de Deus, a ordenação e subordinação do humano ao divino, a participação plena, consciente e ativa, a ação de exprimir na vida e de manifestar aos outros o que se celebra (SC, n. 2).
A reforma litúrgica deve, sem descuidar de outros princípios ou aspectos, assumir, como objetivo fundamental a boa catequese sobre a participação plena, consciente e ativa dos fiéis na celebração, como quer o Concílio Vaticano II, que, por sua vez, frutuosa e piedosa, conduz à renovação litúrgica. A renovação litúrgica "consiste em deixar-se penetrar totalmente do espírito que inspirou a revisão dos ritos e textos. Em outras palavras, levar o povo até o coração da liturgia para que viva em profundidade o que celebra e celebre autenticamente o que vive" (
Julián López Martín,
No Espírito e na Verdade, vol. II, Petrópolis, Vozes, pp. 302-303).
Realizada, pois, a reforma dos ritos e textos litúrgicos, procura-se, com a ênfase da atual série das catequeses do Papa Francisco, dinamizar a concretização da renovação litúrgica, que, como recorda o Pontífice, passa pela formação litúrgica:
Um tema central que os Padres
conciliares frisaram foi a formação litúrgica dos fiéis, indispensável
para uma verdadeira renovação. E é precisamente esta também a finalidade
deste ciclo de catequeses que hoje iniciamos: crescer no conhecimento
do grande dom que Deus nos concedeu na Eucaristia. [Audiência Geral de Quarta-feira, 8/11/2017]
As catequeses do Papa Francisco sobre a formação litúrgica (quartas-feiras do ano de 2017) podem ser acompanhadas e acessadas
aqui.
Por oportuno, as palavras de Bento XVI, em conversa com
Peter Seewald, respondendo à pergunta sobre empobrecimento e abusos na liturgia:
"No plano institucional e jurídico não se pode fazer muita coisa. Importante é que exista uma visão interna desse fato, que as pessoas aprendam o que é a liturgia a partir de dentro, o que ela realmente significa, vivenciando-a. Exatamente por isso escrevi alguns livros sobre este tema. Infelizmente ainda existem esses posicionamentos estreitos de certos grupos de supostos especialistas, que absolutizam suas próprias teorias e não enxergam o que é essencial. Não é o caso de permitir toda espécie de manipulação pessoal, mas de que a liturgia tem significado em si mesma e se celebra a partir de dentro. Mas isso é algo que não se pode comandar." (Peter Seewald, Bento VI - O Último Testamento, Planeta, p. 239).
Por fim,
Joachim Gnilka, respondendo a uma das perguntas da
Entrevista (
Jesus, o Cristo), em apêndice ao seu livro, sobre o fato de Jesus reunir em torno de si um grupo de discípulos, mas registrando que as autênticas reformas (e isso é pertinente aqui) fazem o caminho de retorno às fontes, afirma:
"De facto, as verdadeiras reformas na Igreja realizaram-se sempre como um regresso às origens. E a ideia de discipulado, de ser discente de Jesus, na minha opinião, é muito importante." (Jesus de Nazaré, Lisboa, Presença, p. 308)
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