segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O tempo na história da salvação



A história – comumente se diz – é a narração metódica dos fatos relevantes da vida da humanidade. Essa narração se particulariza, por exemplo, em história da Idade Média, história do Brasil, e assim por diante.

Há também a história que Deus faz para e com os homens. É a história da salvação. Não é uma história à parte. Ela coexiste com a história da humanidade. Andam juntas. Por isso, a história da salvação "ocorre em todo lugar onde está ocorrendo a história coletiva e individual do gênero humano", afirma o teólogo Karl Rahner, em seu Curso Fundamental da Fé (p. 179).

A história da salvação começa com a criação e vai até a parúsia, ou até a segunda vinda de Cristo. A história tem como núcleo a salvação.

Afinal, o que é salvação? À primeira vista, tem-se a impressão bastante aceita de que a salvação é alguma coisa que acontece no além-vida, fora desta nossa humanidade. Não é bem assim ou não é só isso. Julián López Martín, teólogo-liturgista, argumenta com precisão: "Se o homem foi criado por Deus à sua imagem e semelhança, a salvação consistirá em viver plenamente essa condição divina, usufruindo de todas as faculdades humanas, desde a saúde até a paz de espírito. A propriedade material e os bens da terra também se incluem aí, porque tudo foi criado por Deus como coisa boa e entregue ao homem para seu prazer e serviço" (No Espírito e na Verdade, volume I, p. 83, Editora Vozes, 1996).

O tempo é um referencial para o homem, sem o qual ele estaria sem condições para historiar, ou seja, fazer a história de si mesmo, da família, da sociedade, dos povos, das instituições, e assim por diante. 

O homem necessita, pois, do tempo para marcar os fatos, sobremodo aqueles a serem festejados ou celebrados. Por exemplo, sem o tempo como o homem estabeleceria a duração das coisas? O conceito de tempo traz certa complexidade. As culturas influenciam-no, mas o fazem carregado de riqueza conceitual. E até mesmo ao grande Santo Agostinho não esteve ausente essa dificuldade, como se lê em suas Confissões (XI,14:17): "Por conseguinte, o que é o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; porém, se quero explicá-lo a quem me pergunta, então não sei".

Para a cosmologia o tempo é uma realidade da natureza pela qual se dimensiona, independentemente da ação humana, a marcação e a duração das coisas. Daí, os dias, nas alternâncias de luz e trevas, estações e anos.

O homem sentiu a necessidade de "intervir" no tempo (nisto, o homem difere dos outros seres da natureza). Por apropriação daquele, nasce o tempo sagrado. O homem passa a experimentar o "tempo dos deuses". Daí, as manifestações divinas – hierofanias. 

Esse tempo sagrado, o que não é indiferente à concepção helenística, é uma realidade que se projeta de forma circular, que retorna sempre ao ponto inicial. É um tempo recuperável, com a mesma hierofania.

Enquanto, os outros povos se detinham na concepção circular ou cíclica do tempo, o povo hebreu (judeu) crescia numa concepção diferenciada do tempo. Dada sua repercussão ao nosso tema, aproveitamos a denominação de tempo "bíblico-cristão". 

Mircea Eliade, em seu livro Mito do Eterno Retorno, afirma "... que os hebreus foram os primeiros a descobrir o significado da história como epifania de Deus, e essa concepção, como seria de esperar, acabou sendo assimilada e ampliada pelo cristianismo". 

Com o povo bíblico, há uma qualificação do tempo e da manifestação divina. O tempo se projeta de forma linear. É um tempo progressivo: o homem faz uma caminhada para frente, com a visão de um futuro melhor. Não é qualquer manifestação, mas é a manifestação de Deus – teofania. Deus vai se manifestando no curso do tempo, na história de um povo. O tempo passa a ter sentido, não é alguma coisa que o homem queira anular para ver-se livre. Ou, na feliz expressão do Papa Bento XVI na homilia das Primeiras Vésperas da Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus e Recitação do "Te Deum", Basílica Vaticana, Sábado, 31 de Dezembro de 2011: "Desde que o Salvador desceu do Céu, o homem já não é mais escravo de um tempo que passa sem um porquê, ou que esteja marcado pela fatiga, pela tristeza, pela dor. O homem é filho de um Deus que entrou no tempo para resgatar o tempo da falta de sentido ou da negatividade, e que resgatou toda a humanidade, dando-lhe, como nova perspectiva de vida, o amor que é eterno."


Com Abraão, há o início da superação das práticas rituais com relação às de outros povos. Enquanto estes o faziam por costume, Abraão o faz por um ato de fé; fé no Deus que lhe manifesta, de forma pessoal a Abraão, em dado momento da história. É, afinal, o tempo histórico salvífico, ou tempo da salvação.

Com Jesus de Nazaré, o Cristo, a história da salvação alcança sua manifestação definitiva, ou a plena comunicação de Deus. Para o cristianismo, "o tempo litúrgico é um sinal de salvação e um modo de presença de Cristo no tempo dos homens", como afirma J. López Martín (A Celebração na Igreja, vol. 3, Dionisio Borobio [org.], p. 38). O tempo litúrgico dá continuidade à história da salvação.

O tempo litúrgico desenvolve no ano todo o mistério de Cristo, em ritmos diário, semanal e anual. O ciclo anual A (Mateus), B (Marcos) ou C (Lucas) compreende o Tríduo Pascal, o Tempo Pascal, o Tempo da Quaresma, o Tempo do Natal, o Tempo do Advento, o Tempo Comum e as Rogações e as Quatro Têmporas do Ano. Daí, o calendário litúrgico. Este é que dá, de forma orgânica, concreta visibilidade dos fatos da salvação do ano litúrgico a serem celebrados. Ou, como dizem as Normas Universais do Ano Litúrgico e Calendário Romano Geral: "A disposição das celebrações do ano litúrgico é regida pelo calendário (n. 48)". 

O Tempo Comum proporciona a celebração do mistério de Cristo de forma plena, e não de fatos, importantes, mas isolados. Sem ele não haveria a recapitulação progressiva e profunda de toda a história da salvação. E é exatamente a existência do tempo comum que assegura a dos tempos especiais, também chamados tempos fortes. O tempo comum é o mais longo do ano litúrgico, entre 33 e 34 semanas. Tem duas fases. A primeira começa no dia seguinte ao domingo do batismo de Jesus (quando termina o Tempo de Natal) e vai até terça-feira, inclusive, que antecede a Quarta-Feira de Cinzas (quando começa o Tempo da Quaresma). A segunda fase recomeça na segunda-feira após o domingo de Pentecostes (quando se encerra o Tempo Pascal) e vai até as primeiras vésperas do primeiro domingo do Advento. O tempo comum retrata a vida pública de Jesus. E o tempo em que os seguidores de Cristo põem as mãos à obra: aprofundar-se no conhecimento do mistério pascal e no pautar a vida nova pelas exigências evangélicas. Ou, como se referem as já mencionadas Normas litúrgicas tempo em que "não se celebra nenhum aspecto especial do mistério do Cristo" (n. 43).


Fonte da primeira imagem: 
http://www.bibliacatolica.com.br/img/mapas/image-13.jpg

Fonte da segunda imagem: 
http://soimagensbiblicas.blogspot.com/2009/04/ceia001.html

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